Prosegur e Segureza

Resistir à <i>lei da selva</i> nas empresas de vigilância

Dulce Barbosa e Jorge Domingos. Dois trabalhadores da área da portaria e vigilância. Dois exemplos que retratam bem a lei da selva que vinga neste sector. Histórias de vida que se cruzam. Trabalhadores que se querem descartáveis. Mas que resistem. Representam uma realidade por muitos desconhecida, um mundo de trabalho onde impera o abuso nas relações laborais, a exploração e o clima de insegurança. O Avante! foi à conversa com eles.

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Dulce Barbosa tem 31 anos. Trabalha há cinco anos na Prosegur, no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, mas desde Junho do ano passado que está em casa, aguardando o regresso ao seu local de trabalho. Numa luta diária e persistente, num caminho que já se fez longo, Dulce é o rosto de quem resiste, é o rosto de quem não desiste, o rosto feito de luta e esperança.

 

A sua história é envolvente e as palavras atropelam-se umas às outras. São palavras que falam do dia-a-dia da empresa que ainda é sua, que falam do passado que carrega às costas porque com justiça quer fazer dele o seu futuro, que falam dos seus colegas, trabalhadores que sempre defendeu como delegada sindical, que falam dos medos, das lutas e dos sonhos.

 

Tudo remete a 1 de Junho de 2010, quando a Prosegur perdeu o concurso para o Aeroporto, passando a ser a empresa Securitas a assegurar esse serviço. Uma semana antes, os 160 trabalhadores efectivos recebem a confirmação da notícia que traz consigo o fantasma do desemprego. «A Prosegur resolveu anunciar que tinha perdido o cliente e era preciso falar com todos os trabalhadores. O director dos recursos humanos da Prosegur conseguiu fazer lavagem ao cérebro em dois tempos. Colocou:
“perdemos o Aeroporto, não temos posto de trabalho para vocês, o melhor será rescindirem contrato com a Prosegur e pedirem trabalho na Securitas porque eu me comprometo a servir de intermediário para que todos sejam aceites”.» É assim que Dulce relembra a dureza do acontecido, o peso das palavras naquela sala, a pressão psicológica sobre os trabalhadores. Sob o pretexto de terem pena dos trabalhadores e de não quererem avançar com o despedimento colectivo, tudo era argumento para os convencer de que não havia outra alternativa.

 

Tudo estava pensado para a Prosegur se livrar das responsabilidades. «Deram folhas em branco para ser o próprio trabalhador a pedir à empresa a demissão ou a transferência do cliente. Um trabalhador, ao redigir isso, já não pode lutar pela reintegração no aeroporto.» Impotente, tentou confrontar a empresa, informar os colegas, impedi-los de abdicarem de todos os seus direitos de uma vida de trabalho: «Eu tinha que olhar não só pela minha vida mas como delegada sindical tinha que olhar principalmente pela dos outros.» Dulce persistia junto dos seus, tentando evitar o pior e foi convidada a sair pela Prosegur. «A maior parte ficou de tal forma apavorada porque não queria ir para o fundo do desemprego e perder o posto de trabalho, que foram directos à Securitas pedir trabalho. Tive colegas que tinham dez anos de casa e, com o medo de ficar sem trabalho, rescindiram... Foram para a Securitas com um contrato novo, perderam a antiguidade, perderam férias, perderam tudo.» Perderam tudo em troca de um contrato de trabalho de um ou dois anos.

 

 

Baixar os braços é que não!

 

O que se passou deve servir de referência para o trabalho no futuro, nomeadamente no que toca à intervenção do sindicato, acredita Dulce. Há que melhorar a forma de agir, de se aproximar dos trabalhadores e de lutar. «É preciso estar mais presente, é preciso mais garra.»

160 trabalhadores, 160 vidas. Futuros e rumos diferentes, ditados pelas escolhas feitas com medo. Uns despediram-se, outros estão na Securitas, outros persistem na Prosegur, «cobrindo férias, tapando faltas». Dulce está em casa, à espera que a Prosegur lhe arranje trabalho. Está em casa porque a empresa assim o quer: «eles só me procuram para marcar as férias e, de vez em quando, ligam-me de véspera para ir trabalhar.»

Resiste à espera do desfecho do processo que tem no Tribunal, agarrada à esperança de poder regressar ao seu posto de trabalho. É isto que exige da Securitas – «eles é que estão no aeroporto, eles é que têm que me integrar novamente com tudo o que tenho de direito». Reclama ainda da Prosegur o pagamento de subsídio de férias e de alimentação, bem como o da sua categoria profissional. Pagam-lhe o ordenado como vigilante mas não como vigilante aeroportuária (VAP), categoria profissional conquistada em Abril de 2010, após seis anos de intensa luta, onde Dulce participou activamente.

Esta categoria inicialmente não abrangia a totalidade dos trabalhadores, já que os que fossem sindicalizados no STAD não tinham direito a ela. No entanto, esta descriminação, consentida pelo próprio Ministério do Trabalho, foi sol de pouca dura, já que o sindicato reclamou da sua ilegalidade. Assim, Dulce reivindica o pagamento do ordenado como VAP e acrescenta que «todos os meus colegas que estão na Prosegur, que estavam a trabalhar comigo em Abril de 2010, são abrangidos na mesma pela categoria profissional, não sou só eu».

Aquando da negociação do contrato colectivo de trabalho, um novo problema se levantou. Estava em causa a cláusula 13.ª, relativa à transmissão de estabelecimento. A Associação Patronal pretendia alterá-la passando a ter um efeito inferior ao próprio Código de Trabalho. A FETESE aceitou, mas o STAD não. Assim, qualquer trabalhador sindicalizado no STAD pode defender-se caso a empresa que ganhe o concurso do seu local de trabalho não queira ficar com ele. Em tom de confidência, Dulce conta-nos a justificação da Associação Patronal para querer alterar a cláusula 13.ª. Ouviu, sem querer, a verdade que tentam esconder: «Disseram que não queriam ficar com o lixo das outras empresas. Eu acho que isto é bastante relevante sobre a forma como os patrões nos olham. Eles não olham para a gente como gente, como seres humanos.»

Nos olhos de Dulce sente-se a indiferença com que estes trabalhadores são tratados, a exploração ganha cor e a revolta que nos remete ao passado que se quer futuro, ganha vida. Não há limites para quem já caminhou tanto, há objectivos. Dulce é determinada: «O meu objectivo é o meu posto de trabalho. Venha quem vier, eu vou lutar até ao fim! A esperança é a última a morrer! Baixar os braços é que não!»


Na Segureza, agora SSO

 

Salário em atraso como forma de pressão

 

 

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Jorge Domingos conta uma outra história que se cruza com a de Dulce, nos meandros da portaria e vigilância. Estes dois militantes do PCP têm pontos em comum na luta, na resistência e no sonho que acalentam; têm pontos em comum na repressão que sofreram, nos dramas que enfrentaram e nas dificuldades que ultrapassam.

Jorge é mais velho, tem 41 anos e há quase 10 anos que trabalhava na empresa Segureza. No dia 30 de Março deste ano mandaram-no para casa, juntamente com os outros três vigilantes que trabalhavam consigo no posto que encerrou, na Portagem de Gens, em Gondomar. Foi o seu último posto de trabalho. Este é o ponto de partida desta história de vida.

De forma ágil, Jorge faz o resumo da situação, que nos remete ao seu presente. A Segureza, apesar de ser uma empresa recente, mostra intenções de fechar mas, curiosamente, a mesma administração decide abrir uma outra empresa, de nome SSO, cujos serviços administrativos são exercidos na sede da Segureza. Jorge conta-nos que há já algum tempo se ouvia falar que ia abrir uma nova empresa mas só quando a Segureza começou a perder clientes para a SSO é que os trabalhadores se começaram a aperceber.

Era então tempo de fazer a passagem dos trabalhadores para a nova empresa: «A empresa Segureza tentou, e conseguiu em grande parte, passar os vigilantes para a empresa SSO, mas foram sem qualquer garantia de antiguidade, sem qualquer indemnização, sem qualquer pagamento de dívida. Nós nem fomos convidados a ser transferidos porque somos os trabalhadores que mais tempo temos de casa.» Jorge referia-se a si e aos seus colegas de posto, um com seis anos, outro com sete e ele a caminho dos dez. A maioria dos que chegaram a acordo com a Segureza eram trabalhadores recentes.

 

Usar e abusar da repressão

 

A Segureza, à semelhança de outras empresas ligadas à área da portaria e vigilância, usa e abusa do clima de repressão, insegurança e exploração sobre os trabalhadores. Percebe-se isso ao longo de toda a conversa. Há práticas ilegais que se vão tornando comuns e com as quais os trabalhadores se vêem confrontados sem ter como resistir. Jorge conta-nos, por exemplo, que cada trabalhador que vai para a Segureza é obrigado a descontar, durante os primeiros três meses, cerca de 60 euros por mês, que funciona como caução para a farda mas que nunca mais lhe é devolvido. O sindicato tem conhecimento desta situação, já a denunciou, mas não há provas.

Sem demora, retorquiu: «Sabe outra irregularidade? Eu assinei um contrato de seis meses, renovável por mais dois. Ao fim desse tempo, ficava no quadro. Um mês antes, vieram ter comigo com uma carta sem data, a dizer “eu, um espaço em branco, venho por este meio demitir-me” e disseram-me: “Jorge, você vai passar aos quadros mas só se assinar esta carta”, e eu perguntei o que acontecia se não assinasse. “Termina o seu contrato e vai ser despedido”. Qual é a alternativa que temos? Estamos onde? Estamos na selva? É uma carta que eles fazem uso depois se tiverem problemas com o funcionário, como se fosse o próprio a demitir-se. Eu não tive alternativa, ou assinava ou vinha embora. Fizeram isto a todos.»

Voltando ao ponto de partida. Um mês antes de ser colocado na Portagem de Gens, Jorge tinha estado num outro local. Estava a tornar-se frequente as mudanças de posto. Em dois meses, tinha mudado três vezes.

No dia em que encerrou o posto onde Jorge e seus colegas trabalhavam, a empresa informou-os de que deveriam aguardar em casa novas instruções, já que não havia naquele momento posto para eles. No entanto, Jorge sabia que existiam postos da Segureza a funcionar. Todos os dias o confirmava. Para agravar a situação, os três trabalhadores tinham os salários em atraso, um estava sem receber desde Janeiro, outro desde Fevereiro e Jorge ainda não tinha recebido o mês de Março.

 

Saber defender direitos

 

Receoso do que pudesse vir a acontecer e ansioso pela espera, foi à empresa tentar saber mais, por indicação do sindicato, acompanhado pelos dois colegas na mesma situação. Mandaram-nos novamente aguardar em casa. Entretanto, foram contactados para se apresentarem na empresa. Um deles não foi porque entretanto rescindiu com justa causa. Tinha três meses de salário em atraso.

Jorge Domingos conta-nos que se apresentou na empresa, que foi recebido pela advogada e que esta disse logo que a empresa estava mal, não tinha dinheiro e que queria mandá-lo embora para o fundo de desemprego. Fez-lhe então o que ele chamou de proposta indecente: «davam-me a carta para o fundo de desemprego e 1500 euros, pelos anos de serviço e pela dívida que têm comigo, porque, para além do salário de Março que está em atraso, eles devem-me dinheiro.» Jorge não aceitou e, desafiado, fez uma contra-proposta, exigindo o pagamento do mês de Março e de Abril, bem como de tudo o mais a que tinha direito. Em relação à indemnização, exigiu apenas metade do seu valor, com a condição de resolverem o problema de uma vez só.

Jorge não foi caso único. A Segureza é experiente em usar o atraso dos salários como forma de pressão para sujeitar os trabalhadores a aceitarem as propostas da empresa. Nas palavras de Jorge, sente-se o drama da situação e a fragilidade em que se encontram os trabalhadores. «Eles asfixiam as pessoas antes de as chamarem lá, não pagam os últimos meses, para que estas aceitem o que lhes vão propor. Eu tive colegas desesperados que chegaram a aceitar muito pouco de indemnização porque tinham a prestação do banco atrasada e este já estava a ameaçar com hipotecas. Havia mulheres a bater à porta da empresa a pedir para pagarem o salário porque precisavam de comprar leite para os filhos.»

Jorge aguardou a resposta da empresa, que nunca chegou. Entretanto o tempo passou e com ele o mês de Abril e Maio. A situação tornara-se incomportável. Em Junho, Jorge rescinde contrato com justa causa, devido à falta de pagamento de salários e segue uma acção para tribunal. Agora aguarda o desfecho, enquanto está pelo fundo do desemprego e retoma a procura de trabalho. Diz que quer tudo a que tem direito relativo aos mais de nove anos que trabalhou para a Segureza. Quer um ponto final.

Dulce e Jorge souberam resistir. Confiantes dos seus direitos, souberam contornar as dificuldades e ultrapassar obstáculos, souberam defender os seus interesses, lutar e resistir! Tendo em conta o momento político que atravessamos, mais do que nunca, é imprescindível que outros o saibam fazer também!


PCP solidário

 

O PCP acompanhou o protesto e a luta dos trabalhadores da Prosegur e da Segureza em defesa dos seus postos de trabalho e dos seus direitos. Quando, em final de Maio de 2010, a Prossegur perdeu o contrato com o Aeroporto do Porto e informou os trabalhadores, o PCP apoiou e incentivou a sua resistência e luta, manifestando-lhes a sua solidariedade, denunciando publicamente todos os atropelos.

Posteriormente, já com a Securitas, o Grupo Parlamentar apresentou um requerimento na Assembleia da Republica questionando a tutela sobre a recusa desta empresa em classificar como VAP (Vigilante Aeroportuário) os 170 vigilantes que aí laboravam, manifestando-lhes a sua solidariedade através de documento distribuído no aeroporto.



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